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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Proporcionando holding à dupla mãe-bebê

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Psicologia em Pediatria
Proporcionando holding à dupla mãe-bebê
Roberta Kehdy
Psicóloga Perinatal. Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo. Professora e coordenadora da Clínica Social do Instituto Brasileiro de Psicologia Perinatal - Gerar.
© Copyright Moreira Jr. Editora.
Todos os direitos reservados.

Pediatria Moderna Set 13 V 49 N 9
págs.: 404-408

Ao receber um bebê e sua mãe, o médico pediatra pode ver-se diante de uma situação complexa com demandas e angústias da mãe ou sintomas psicossomáticos do bebê que podem ultrapassar os limites de sua atuação e beneficiar-se da participação do psicólogo perinatal para auxiliá-lo a prestar uma assistência mais adequada ao bebê e sua família. Consideramos importante, por tratar-se de uma clínica com especificidades, que o psicólogo tenha uma formação especializada em psicologia perinatal. Este profissional, ao trabalhar os laços desde os primórdios, tem maiores chances de estabelecer uma relação na qual aquele que se vê sendo cuidado, no caso a mãe, encontra mais disponibilidade para cuidar de seu bebê. Sabemos que há um aspecto de urgência quando se trata da constituição psíquica de um novo ser humano, porque o investimento libidinal interfere no desenvolvimento das potencialidades somáticas do bebê e a intervenção precoce pode evitar possíveis problemas no vínculo mãe-bebê e, por consequência, no desenvolvimento global deste.

Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, definiu em meados da década de 1950 alguns conceitos fundamentais para pensarmos a qualidade do cuidado materno e sua importância para a saúde psíquica do bebê que orientam nosso trabalho com mães e bebês. São eles: preocupação materna primária, mãe suficientemente boa e ambiente de holding (sustentação).

A mãe suficientemente boa é aquela que Winnicott (1956) descreve como tendo, no final da gravidez e primeiras semanas de vida do bebê, desenvolvido um estado psíquico particular de extrema sensibilidade com importante função de identificar e acolher as necessidades de seu filho, a que ele denomina de "preocupação materna primária".

Bydolowski (2002) enriquece este conceito ao apontar que na perinatalidade o psiquismo da mulher apresenta grande plasticidade e favorece a aliança terapêutica com os profissionais. Mas há também uma intensificação das angústias, pois acontece como que um afrouxamento das defesas psíquicas caracterizando um funcionamento denominado por ela de transparência psíquica.

Esta sensibilidade aumentada possibilita que a mãe realize bem sua função, atendendo às necessidades do bebê quando ele precisa, mas também o desiludindo quando é necessário. O suficientemente, do "suficientemente boa", é fundamental na medida que traz a ideia de que mãe sempre falha e que a mãe perfeita, além de não existir, seria prejudicial ao bebê, pois não contemplaria sua humanidade e as frustrações que fazem parte da realidade.

Outro aspecto que Winnicott enfatiza é a importância da qualidade do ambiente de cuidado que é oferecido pela mãe suficientemente boa denominado por ele de ambiente de holding. Este ambiente é proporcionado pelos pais e vai de encontro às necessidades específicas do bebê, incluindo: proteção das agressões fisiológicas, a maneira de tocar, a temperatura, a sensibilidade auditiva, a sensibilidade visual. O ambiente de holding inclui toda a rotina de cuidado que se estende pelo dia e pela noite. Como cada bebê é único, o que uns necessitam, não é o mesmo que outros; assim, é necessário que a mãe se adapte às necessidades próprias de seu bebê. Este ambiente possui uma qualidade afetiva importante e inclui necessariamente o pai, que tem a função de oferecer holding para a mãe. Este aspecto é fundamental, pois a mãe, para exercer uma maternagem suficientemente boa, precisa estar ela também sustentada por um ambiente de holding.

Contudo, ser mãe hoje não é nada fácil, pois vivemos um momento histórico caracterizado pela fragilidade dos laços sociais e pelo aumento da velocidade das comunicações que produz isolamento. Para as mulheres no ciclo gravídico-puerperal este isolamento pode ser ainda maior, devido às intensas mudanças na condição da mulher nas últimas décadas. A ampliação dos métodos contraceptivos permitiu uma vida sexual menos atribulada por uma gravidez indesejada, posibilitando que o momento da gravidez seja percebido como uma escolha específica. Com a entrada no mercado de trabalho surgiram novas maneiras de realização da feminilidade que não apenas a maternidade, o que muitas vezes leva a uma postergação da mesma para uma etapa em que o relógio biológico pode não corresponder. Assim, quando a mulher decide ser mãe, geralmente há uma enorme expectativa e grande idealização deste desejo.

Por outro lado, ocorreu uma grande cientificização da maternidade. Atualmente, muitas gestantes não têm nenhuma familiaridade com o processo do parto ou com o mundo dos bebês. As famílias, geralmente reduzidas e isoladas, oferecem pouca rede de apoio no pós-parto. O aleitamento e os cuidados com bebês, que as mulheres aprendiam em casa com suas mães e tias no convívio com a família estendida, passam a ser informações técnicas, a serem adquiridas em livros ou com especialistas. Assim, somando-se todas essas mudanças, muitas mulheres se consideram pouco aptas para desempenhar a função materna. Não é raro nos depararmos com mulheres que contam que seu bebê é o primeiro que vão carregar.

Observamos que na gravidez e principalmente depois do parto, a existência de uma rede social que dê sustentação para a futura mãe e seu bebê é muito importante.A chegada de um bebê é um evento que afeta consideravelmente não só os pais, mas todo o entorno social, pois o bebê, pelo seu desamparo constitucional é totalmente dependente e necessita de cuidados intensos, que mobilizam "sentimentos ligados à capacidade do cuidar incondicional". Há ainda implicações transgeracionais como a passagem do lugar de filha para mãe e de filho para pai. A rotina da casa e das pessoas que a frequentam é bastante modificada. São transformações significativas que, muitas vezes, expõem a fragilidade da rede social pessoal.

Consideramos que em situações onde a falha na rede original acontece, é necessário criar uma rede substituta profissional visando restaurar o ambiente de holding, pois este é um período onde estamos diante de um novo ser e da constituição de seu psiquismo. A intervenção do psicólogo neste momento da perinatalidade é importantíssima, pois o psiquismo da puérpera se vê inundado por projeções maciças que, se não forem recebidas e trabalhadas com a mulher/mãe, poderão ser depositadas no bebê.

Ilustraremos, a seguir, como um médico pediatra trabalhou em parceria com um psicólogo perinatal que, ao realizar uma intervenção precoce, colaborou para que um psiquismo incipiente pudesse constituir-se e não se cristalizar como um transtorno global de desenvolvimento.

Márcia chegou no período final de sua segunda gestação, encaminhada pelo pediatra de Pedro, seu filho mais velho, que apresentava transtorno global do desenvolvimento, pois se sentia muito angustiada diante da proximidade do novo parto/nascimento. Agendamos para a semana seguinte uma entrevista através deste médico, mas no dia marcado a paciente não compareceu. Por saber que as situações em torno da mesa do parto e do berço do bebê são sempre de muita urgência, optamos por pedir a este pediatra que passasse o nosso telefone para Márcia.

Passados 15 dias, Márcia ligou contando que já tinha dado à luz e, mesmo sendo este seu primeiro contato, narrou em detalhes suas preocupações e ansiedades, o que parecia indicar uma forte ligação afetiva com a psicóloga, sugerindo a transparência psíquica apresentada acima. Na entrevista agendada para a semana seguinte Márcia compareceu com Paulo, o bebê de dez dias, falou sem parar, apresentando um discurso bastante confuso que indicava intenso sofrimento psíquico.

Ela relatou que estava com medo de sair de casa, pois achava que os vizinhos poderiam fazer mal à ela e aos filhos e também referiu estar ouvindo vozes, mas apresentava certa crítica, identificando que eram coisas da cabeça dela. Falou-nos que não estava conseguindo cuidar dos afazeres domésticos e que era chamada de preguiçosa pelo marido, Pascoal.

Ao longo das primeiras sessões constatamos que, devido à gravidade da situação e à intensidade de seu sofrimento, precisaríamos encaminhá-la para um psiquiatra. Explicitamos ao marido que, neste momento, Márcia não estava em condições nem de cuidar da casa nem dos filhos sozinha, não por preguiça, mas por ser um momento de crise que exigia cuidado e atenção de todos nós para com ela. Esse homem se mostrou colaborativo, tirou férias no primeiro mês e depois chamou a mãe dele do Pará para vir ajudar a todos nessa nova configuração familiar. A postura do marido, tomando algumas decisões fundamentais foi muito importante para Márcia, que podia ir se percebendo numa situação diferente daquela vivida com seu primeiro filho, quando se sentiu completamente sozinha e desamparada.

Observamos que Paulo começava a apresentar indícios de sofrimento psíquico: um olhar fixo, os olhos arregalados e uma postura rígida que o mantinha com seu corpinho voltado para um mesmo lado e com um tônus mais alto, sem conseguir olhar sequer para sua mãe ou em direção a ela. Realizamos, então, alguns atendimentos onde Márcia ficava com sua psicóloga perinatal numa sala e, na sala ao lado, outra psicanalista que se ocupava com o laço mãe/bebê, fazia um trabalho de "banho de palavras" diretamente com Paulo. Esta possibilidade de separarmos a dupla ao longo desses atendimentos se deu por termos já garantido um vínculo dela conosco e com seu bebê. Foi um período do trabalho onde ela retomou através de suas ’lembranças-relatos’, sua primeira gestação que aconteceu logo que tinha se mudado para São Paulo num período repleto de adaptações e turbulências e também os primeiros meses de Pedro que ainda com poucos dias de vida na maternidade teve uma parada cardiorrespiratória e quase morreu. Contava histórias de vivências muito sofridas de solidão e abandono, algumas que pareciam fantasias, mas que indicavam uma intensa vivência de desamparo e dor.

À medida que Márcia foi melhorando, foi realizada uma mudança no enquadre, na qual a dupla mãe-bebê/Márcia-Paulo passou a ser atendida simultaneamente por uma só psicóloga perinatal, com o intuito de favorecer o desenvolvimento do laço entre eles. Nas sessões ela trazia sua percepção de como Paulo interagia mais que Pedro. Chegava muitas vezes, encantada com a responsividade do bebê na relação com ela, o que ficava evidente na interação entre eles na nossa presença. Ela lhe propunha jogos constituintes como cadê-achou e também jogos simbólicos e acompanhávamos como Paulo estava desenvolvendo-se bem, tendo deixado de apresentar os sinais que nos preocuparam quando era menor. Foi um período no qual trabalhamos, principalmente, a separação de Márcia com o filho mais velho e também o reconhecimento das diferenças entre o bebê Paulo e seu irmão. Ela tinha muito medo que Paulo também ficasse autista como Pedro, e já conseguia explicitar esse medo de forma mais organizada. Foram muitas e muitas conversas em que ela parecia precisar do aval da psicóloga tanto para se certificar de que Paulo podia ter um destino diferente de Pedro quanto para se tranquilizar de sua capacidade de cuidar bem dos filhos. Era visível que, apesar de sua fragilidade psíquica, Márcia conseguia propor nas sessões: brincadeiras e conversas com Paulo, sugerindo maternagem "suficientemente boa". Era-nos muito gratificante reconhecer as possibilidades dela, que amparada por uma equipe de sua confiança, podia no segundo pós-parto desenvolver uma relação com Paulo muito distinta da que experimentava com Pedro.

Este atendimento durou cerca de dois anos e finalizou com o encaminhamento para um serviço próximo a nova residência da família.

Missonier (2004) enfatiza que devido à grande sensibilidade do psiquismo materno no puerpério, este é um período de vulnerabilidade. Assim, é muito importante que a mulher conte com uma rede de apoio e sustentação, pois o ciclo gravídico-puerperal redimensiona as relações da mulher com todas as pessoas de sua confiança. Em situações que a mulher não dispõe de alguém confiável com quem partilhar suas emoções e suas reflexões sobre as crises que atravessa, a gestação e pós-parto serão vividos com mais sofrimento.

Pensamos que Márcia não pôde contar com uma rede social que lhe desse uma sustentação mínima ao longo da gestação e no nascimento do primeiro filho. Somado à experiência traumática de quase morte desse seu primeiro bebê no início da vida, viveu uma grave crise psíquica que dificultou, e muito, o estabelecimento do laço com ele. Assim, quando nos procurou estava com muito medo que isto se repetisse no segundo pós-parto. A possibilidade de contar com uma escuta e um acolhimento para estas lembranças permitiu que Márcia, ao ser legitimada em sua dor, fosse organizando-se lentamente e pudesse estabelecer com Paulo um laço mais saudável e consistente. Ela pôde ampliar os sentidos dados à primeira gestação: "fome, solidão e agressão" para fome da comida de sua mãe, solidão por estar longe dos seus entes queridos e confiáveis e agressão por ter perdido tanta coisa: vida estruturada, independência financeira, lugar de caçula.

Pudemos também contar com a presença do marido que esteve próximo ao longo de todo o processo, principalmente porque o sofrimento de Márcia pedia uma continência robusta ao nascimento de seu segundo filho. Dessa forma, este homem pôde funcionar como agente paterno, não somente por fazer cortes no excesso materno para com o bebê deles, como também comparecendo sempre que solicitado nas cenas clínicas para dar holding a sua mulher, para que esta pudesse maternar seu novo bebê. Ele compôs com nossa equipe uma rede de sustentação e de acolhimento muito continente e firme para que sua mulher fosse sentindo-se mais segura e enlaçasse seu segundo filho.

Consideramos que no acompanhamento com esta família, funcionamos como metáfora de rede - oferecendo continência, flexibilidade e sustentação - que embalou, aconchegou e sustentou Márcia e Pascoal para que eles propiciassem holding para Paulo, além, é claro, de colocar palavras em todo o sofrimento desta mulher, deste bebê e, por que não, de toda a família. Ofereceremos o holding robusto que eles precisavam para receber Paulo e não reproduzissem com ele, os desencontros pelos quais caminharam com o primeiro filho. Assim, construíram com Paulo um laço que o possibilitou iniciar sua constituição psíquica como sujeito, diferente de seu irmão Pedro.

Para encerrar gostaríamos de apontar que o atendimento psicológico que proporciona holding à dupla mãe-bebe pode ser importante, não só em situações tão explícitas de fragilidade materna como no caso acima, mas também é muito útil em situações em que a dupla mãe-bebê se encontra com rede social precária (sem presença de família ou amigos) ou quando o bebê apresenta sintomas físicos que sugerem quadros psicossomáticos que podem comprometer seu desenvolvimento.

Assim, a postura atenta do pediatra é de grande importância, pois ele é o profissional que primeiro está em contato com a dupla mãe-bebê e pode identificar situações em que há algum risco para integração psicossomática do bebê. Quanto antes esta dupla puder ter uma escuta psicológica, menor o prejuízo para a constituição psíquica do bebê.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Desafios para Ser no mundo atual


Vivemos em um mundo caracterizado pela fragilidade dos laços familiares e sociais. Temos como ideais contemporâneos: a necessidade cada vez maior de sucesso, o autocontrole, a racionalidade, a disciplina e gera um aumento da solidão, sobretudo em uma metrópole.
Essa sociedade baseada em altas exigências de produção, consumo e ritmos intensos provoca impacto sobre o indivíduo, podendo gerar sofrimento. Este, pode se manifestar de diferentes maneiras: sentimentos de vazio e inutilidade, pânico, depressão, insônia, impotência, stress, dores físicas sem origem definida.   
Manter o equilíbrio emocional exige esforço: conhecer suas potencialidades e aprender a lidar com seus limites. Manter-se em movimento, sem se paralisar por exigências externas. Apropriar-se de suas experiências para transformá-las em ferramentas de qualidade de vida.
O Psicólogo é o profissional, que ao propiciar uma escuta qualificada, cria condições favoráveis para essa busca incessante do Ser.
GrupoSer Psicoterapia

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Criança de Hoje


A educação é uma dessas profissões em que errar é inevitável', dizia Freud à quase um século.

Criar uma criança não é uma tarefa fácil. O bebê, quando nasce, é totalmente dependente dos cuidados dos pais e os seus ritmos de choro, sono e alimentação modificam profundamente a vida dos pais. O início do
andar traz novos problemas e requer outro tipo de atenção. Quando a criança começa a falar, não se torna menos barulhenta de quando apenas chorava; o intenso brincar interfere continuamente nas atividades cotidianas e as brincadeiras com as outras crianças, embora possibilitem a socialização trazem novos conflitos como respeitar os limites, dividir os brinquedos.Os pais frente aos desafios de educar compartilham a responsabilidade da educação das crianças com os avós, babás ou escolas.

Sabemos que, na sociedade atual, a mãe brasileira acumula os serviços domésticos com o trabalho fora de casa. Isso rouba horas que antes eram inteiramente destinadas para as tarefas da casa e aos cuidados dos filhos. O tempo para os filhos está ficando cada vez mais escasso e isso acaba produzindo nos pais um tipo de culpa de que não se está dando tudo o que a criança precisa. Isto pode acarretar, muitas vezes, uma tentativa de compensação de tempo com presentes.

Pais perfeitos não existem. O importante é que sejam acessíveis para que a criança possa recorrer a eles nos momentos difíceis ou simplesmente para compartilhar suas descobertas. Bebês que não conseguem dormir, se alimentar, têm cólicas ou vomitam demais, podem estar sentindo a ausência dos pais. Porém, tempo não é garantia de melhor relacionamento, já que filhos de mães que não trabalham fora necessariamente, não são mais felizes e saudáveis que os outros. Qualidade é mais importante que quantidade.

O que mantém a qualidade na relação com os filhos é a atenção. Por vezes, uma simples brincadeira pode revelar o que uma longa conversa não o fez, porém brincar com a criança não deve ser uma obrigação. O saudável é perceber os recados sutis que os filhos passam para os pais. Uma boa forma de manter os filhos próximos é convidando-os para ajudar a preparar o jantar ou lavar o carro, fazendo com que isso se torne uma grande brincadeira.

Para entender as crianças de hoje, é importante pensar que a criança aprende por modelo e não por discurso. Isto é, os pais são o espelho das atitudes de seus filhos. Recorde sua infância, pense no que você faz diariamente com o seu filho, ou o que faz a pessoa que dele cuida. Analisando o seu comportamento e o seu relacionamento com seu filho, certamente saberá como entendê-lo melhor.

Cristina Briani Brunoro

Adolescência: novas formas de perceber o corpo e ver o mundo


Uma das marcas da adolescência é a busca de si, o deparar-se com os novos desafios e mudanças que marcam a passagem da infância à idade adulta.     

As transformações constantes ao longo de nossas vidas permitem que nos interroguemos sobre o mundo
que nos rodeia. Vamos, aos poucos, incorporando uma forma de pensar, podendo escolher o nosso estilo de vida e o que queremos fazer com as coisas que consideramos importantes.


Nesta fase, também, nos preocupamos com as mudanças do corpo como: peso, acne, estatura, aspecto dos genitais e com a nossa própria forma de pensar que muitas vezes nos surpreendem. Compramos brigas, que no momento seguinte perdem o sentido, tem hora que a solidão nos derruba ou nos sentimos o maioral do grupo,  choramos e rimos sem saber exatamente porquê... O primeiro beijo, a primeira transa, um piercing, uma tatuagem, uma viagem sem os pais são maneira de nos conhecermos e experimentarmos nossa própria sexualidade.

Este é também o momento da busca de autonomia, de flutuar entre a necessidade de independência e a vontade de proteção. É quando conhecemos a paixão e o verdadeiro significado da amizade.

Queremos nos sentir amados  e valorizados pelo que somos, por isso buscamos os diversos grupos de convivência, onde prevalece um sentimento de igualdade e irmandade. São as  afinidades que criam história, objetivos e sonhos,  possibilitando  um sentimento de pertencimento. Grafiteiros, Rappers ou  Skatististas são alguns grupos que permitem a construção de modelos diferentes do familiar, abrindo caminho  para uma identidade própria. Compartilhar os medos, frustrações e inseguranças dá força e auxilia nas escolhas que vão sendo feitas no decorrer da vida: profissão, amor e tantas outras...

 A luta para que o diálogo aconteça em todas as nossas relações é fundamental, pois é a chance de conseguirmos falar sobre o que nos incomoda, formarmos nossas opiniões e sermos respeitados por aquilo que acreditamos.     Essa época é uma travessia: em que você se dará conta de que as dificuldades estão ali para serem  vividas e compreendidas, assim como descobrirá a cada nova vivência algo de bom e prazeroso. 

Paula Sálvia Trindade

Auto-estima: um olhar sobre nós


O tema da auto-estima é bastante atual e complexo. “Ela pode ser definida como um sentimento valorativo de nosso ser, de quem somos, do conjunto de marcas corporais, mentais e espirituais que formam nossa personalidade. A auto-estima envolve o que se pensa de si, os sentimentos que essas opiniões despertam e seus reflexos nos relacionamentos afetivos, sociais e profissionais. Trata-se não só de um olhar que lançamos sobre nós mesmos, mas das implicações desse juízo sobre a vida cotidiana”.A auto-estima já está sendo constituída a partir do momento em que um filho é esperado. Toda criança ao nascer é banhada por vários olhares e desejos, que vão anunciando o que os pais esperam dela. Assim, ao se contemplar no espelho, o bebê não verá o simples reflexo físico de uma imagem, mas tudo o que esses olhares depositaram no seu corpo. 

O bebê vai crescer e formar sua personalidade dentro de um ambiente familiar, que é o principal fator de influência sobre sua auto-estima. A família, porém incorpora os valores, regras e costumes incutidos pela sociedade e pela cultura em que se encontra inserida. A auto-estima está intimamente relacionada a imagem que temos de nós mesmos. Para compreender a relação que uma pessoa estabelece com sua própria imagem é importante saber qual aspecto de sua vida é destacado com mais valor. Dependendo da história de cada um e das influências familiares, sociais e culturais alguns superestimam a aparência física, outros enfatizam o êxito escolar, profissional, as aptidões esportivas.Atualmente vivemos em uma sociedade na qual os valores considerados como melhores são dinheiro, sucesso, poder de compra. As pessoas devem se sentir sempre felizes, satisfeitas, exibir um corpo perfeito, mostrar que alcançaram êxito nas diversas esferas da vida. O TER ocupou o lugar do SER. As conseqüências imediatas destes novos tempos são seres humanos solitários, perdidos, sem referenciais que os norteiem. 

Não há lugar para a tristeza, luto, angústia e sofrimentos de modo geral. E a auto-estima, o que tem a ver com tudo isso? Á medida que pensamos que devemos corresponder a essa demanda do TER, perdemos o elo conosco, com aquilo que julgamos realmente importante e assim, nossa auto-estima se empobrece porque carece de nosso SER.O cotidiano, entretanto, é uma excelente “escola” para exercitarmos e tentarmos equilibrar nossa auto-estima.  Para conseguirmos este objetivo é fundamental conhecer e acolher os próprios desejos e limitações. Os sentimentos que emergem frente às experiências que vivemos são essenciais, para que possamos saber de nós e de como lidamos com as dificuldades, assim nossa tristeza, raiva, frustração e insatisfações não devem ser negadas, mas sim compreendidas e transformadas em “lições” que nos tornarão um pouco mais sábios em nossa forma de olhar a nos mesmos e aos que nos cercam. E vale lembrar uma frase sábia e preciosa para finalizar:“Um erro grave é tanto se julgar mais do que se é, quanto se estimar menos do que se merece”.

Por Neide Barreira Alonso

Epilepsia e Exclusão social


Pode uma pessoa carregar todo o peso da história seu distúrbio? Será que podemos reduzir o ser-humano a poucos instantes de descontrole do corpo, produzido pelo cérebro? Essa é a crise epiléptica, que mesmo com poucos segundos de duração, produz efeitos dramáticos na vida de muitos com epilepsia. 
A epilepsia traz a marca de uma história de mitos, concepções erradas e desinformação, que se manifesta no cotidiano pelas dificuldades vividas na escola, trabalho, relações sociais e mesmo no contexto familiar dessas pessoas.

Podemos dizer que por vezes as pessoas com epilepsia ficam excluídas do cenário da sociedade e mesmo dos dispositivos da área de saúde, como gratuidade nos transportes públicos, acesso a medicação e acompanhamento médico regular, que auxiliam o resgate da humanidade pelo autocuidado. Quem exclui quem? São as Instituições representantes da lei ou o próprio paciente, que permanece paciente, excluído da luta por seus direitos e deveres como cidadão. Mas quantos se percebem cidadãos?

Tratemos então do tema inclusão, para compreendermos como se dá a exclusão social. É interessante abordarmos o significado da palavra inclusão. Incluir quer dizer: compreender, abranger, envolver, implicar, fazer parte, figurar entre outros, pertencer.

O pertencimento acontece quando existe a possibilidade de se construir uma narrativa sobre a própria história pessoal, tendo um outro como interlocutor. A história de cada ser humano é constituída de muitas lutas, muitos fracassos, vitórias, perdas, situações limite, doenças. Inclusão é poder construir a história pessoal, juntando os fios da narrativa que culminou nessas lutas, vitórias, perdas, doenças.

Os grupos sociais, como Grupos de Apoio, Centros de Atenção Psicossocial, Clubes, Comunidades de Bairro podem favorecer a construção de espaços de narrativa em que o indivíduo possa se perceber sujeito de sua história e que seu caminho é constituído não só pela epilepsia, mas por uma rede de vivências, sentimentos, sensações, projetos, lutas. Tudo aquilo que constitui a humanidade do humano origina a inclusão. Quem acredita não ter nada para contar, nada a dizer, nada vivido que valha a pena ser partilhado está excluído de sua própria história. E quem não tem história tem direitos, deveres, algo por que lutar?                          

Diferenciar-se da história de seu distúrbio e assim, marcar seu trajeto singular é a missão daqueles que querem se tornar cidadãos de seu tempo, que desejam construir um tempo de responsabilidade e ação.       

Neide Barreira Alonso

Dificuldades de ser mãe hoje


Ser Mãe hoje não é nada fácil, pois vivemos um momento histórico caracterizado pela fragilidade dos laços sociais, pelo desengajamento em ações coletivas e pelo aumento da velocidade das comunicações que produz isolamento.
Para as mulheres no ciclo gravídico-puerperal, este isolamento pode ser ainda maior, devido às intensas mudanças na condição da mulher nas últimas décadas. A ampliação dos métodos contraceptivos permitiu uma vida sexual menos atribulada por uma gravidez indesejada, possibilitando que o momento da gravidez seja percebido como uma escolha especifica. Com a entrada no mercado de trabalho, surgiram novas maneiras de realização da feminilidade que não apenas a maternidade. Por outro lado, ocorreu uma grande cientificização da maternidade. O parto que até a metade do século passado fazia parte do cotidiano das famílias, sendo realizado em casa num ambiente conhecido com ajuda de parteiras, passa a ser um ato médico e ocorrer no hospital, ambiente pouco familiar e acolhedor.
O aleitamento e os cuidados com bebês que as mulheres aprendiam em casa com suas mães e tias, no convívio com a família estendida passam a ser informações técnicas, a serem adquiridas em livros ou com especialistas. Assim, somando-se todas essas mudanças, muitas mulheres consideram-se pouco aptas para desempenhar a função materna. Não é raro nos depararmos com mulheres que contam que seu bebê é o primeiro que vão carregar...
Observamos que na gravidez e principalmente depois do parto, a existência de uma rede social que dê sustentação para a futura mãe e seu bebê é muito importante, pois o ciclo gravídico–puerperal redimensiona as relações da mulher com todas as pessoas de confiança. Em situações, onde a mulher não dispõe de alguém com quem partilhar suas emoções e suas reflexões sobre as crises que atravessa, a gestação e o puerpério serão vividos com mais sofrimentos.
A chegada de um bebê é um evento que afeta consideravelmente não só os pais, mas todo o entorno social, pois o bebê, pelo seu desamparo constitucional é totalmente dependente e necessita de cuidados intensos, que mobilizam “sentimentos ligados à capacidade do cuidar incondicional”. Há ainda implicações transgeracionais - passagem do lugar de filha para mãe. A rotina da casa e das pessoas que a freqüentam é bastante modificada. São transformações significativas que, muitas vezes, expõem a fragilidade da rede social pessoal.
Consideramos que em situações onde a falha na rede original acontece, é necessário criar uma rede substituta profissional visando restaurar os laços de sustentação, pois este é um período onde estamos diante de um novo ser e da constituição de seu psiquismo. A intervenção possui certa urgência no sentido de minimizar possíveis comprometimentos do psiquismo do bebê que ainda é insipiente.
Roberta Kehdy